sexta-feira, 30 de julho de 2010

Carta aberta ao meu putativo vizinho do "Farmville"



Nem que a torre do Santuário do Sameiro, que você vislumbra da sua mesa de trabalho, caia, eu alguma vez aceitarei ser seu vizinho virtual na quinta do farmville!

Mas que coisa agora, amigo AFF, querer plantar virtualmente nabos ou mungir vacas, agarrado ao rato do computador?

Eu que o conheci, como um agricultor diferente dos outros, no tempo do PREC (processo revolucionário em curso) há dezenas de anos, com formação superior em engenharia mas sempre equipado com fato de campanha, um grande jipe todo-o-terreno, e um sabujo cão pastor alemão, ali destacado pela sua nobre família, a guardar as suas terras das Beiras contra as investidas dos que as queriam ocupar para fazer a reforma agrária, agora deu nisto?

Não, não e não!

Prefiro recordar o tempo em que caminhavamos, a pé ou de jipe, na imensidão das suas quintas enquanto você dirigia os trabalhos agrícolas mas também e sempre à pesquisa da melhor barragem ou charca para pescar barbos, achigãs ou carpas.

Lembra-se como os peixes saltavam nas águas calmas e lisas daquelas lagoas logo ao nascer do sol, parecendo um espelho a estalar, não querendo saber do nosso isco cuidadosamente posto com o anzol na ponta da linha?

Pois é, como pescadores eramos uns autênticos amadores, cinco ou seis exemplares era um luxo, mas como "gourmets" uns autênticos profissionais!

Lembra-se que o meio-dia nunca mais chegava para darmos por finalizada a nossa missão e podermos atacar aquilo que mais gozo nos dava e que no fundo era também o nosso grande objectivo? Saborear uma lebre com feijão, um coelho bravo à caçador, ou um faisão à moda do dono das tabernas que iamos descobrindo por montes e vales.

Lembra-se também quando combinámos uma pescaria em Espanha e um dia a coisa correu mal?

Era o primeiro verão pós revolucionário e haviamos acertado encontrarmo-nos na barragem de Alcantara para pescar num sábado. Você, que gostava de aventuras e ar livre, resolveu avançar, sem mim, de véspera e dormir no seu jipão com o inseparável sabujo na margem da barragem. Tudo bem, se as circunstâncias fossem outras, ou seja, não tivesse havido uma revolução em Portugal e os espanhóis não andassem desconfiados e vigilantes com a mania das bombas que os "esquerdalhos terroristas" portugueses ameaçavam pôr.

Pois bem, você foi detectado em ponto sensível, detido para averiguações e a Guardia Cívil de Alcantara ofereceu-lhe, "simpaticamente", dormida debaixo de telha nas suas instalações.

Para convencer os "nuestros hermanos" que era uma pessoa de bem, disse-lhes então que um amigo, colega de pescarias, haveria de se encontrar consigo para iniciar a programada faina, logo bem cedo no sábado, na Plaza Mayor de Alcantara.

Efectivamente, quando cheguei ao local, uma guarda de honra policial esperava-me e perante o meu espanto, perguntou-me:

- Usted, tiene un amigo con un perro y un todo-terreno?
- Sí, claro! Debe estar en el Café Central como acordado antes de pescar.
- No, por supuesto, de momento se encuentra todavía en el cuartel de la guardia.
- En el cuartel de la guardia, pero por qué?
- Bueno... lo vamos a liberar inmediatamente pues usted confirma lo que su amigo nos ha dicho ayer por la noche en el embalse que su intención eres solamente pescar ...

Ainda, incrédulo, vejo-o a si, passado algum tempo, finalmente ao longe, caminhar meio zonzo, talvez por causa de uma noite mal dormida, puxado pela trela do fidelíssimo pastor alemão, na minha direcção e, como sempre, tudo acabou em bem:

Com um bom "revuelto de esparrágos" e uma excelente "tortilla" à espanhola.

E a pesca? A pesca, mais uma vez, que se lixe!



1 comentário:

imenso-pedro disse...

Não há duvida caro amigo ATP, o Blog tem a vantagem de publicar e exprimir tudo aquilo que sentimos, que recordamos e não só. Gostei muito deste artigo. Tem profundidade, sentido de humor e ...muito, muito daquilo que idealizamos ou nos vai na alma.
Um abraço, sincero.