A história daquela destacada figura
do presépio que intriga e confunde quem aprofunda o mistério desse quadro da
Natividade pela nobre missão, mas submissa e estranha, que lhe foi atribuída em
nome e por vontade do Pai, fazem de José, o artesão carpinteiro, marido de
Maria, Mãe de Jesus, um homem à procura da sua identidade e das razões que o
levaram a ser o eleito Pai adotivo do filho de Deus.
José, entre remorsos, dúvidas e
raiva, não compreende esse Deus, que põe e dispõe dos homens e que tomou como
Sua a mulher que lhe estava destinada, plantando-lhe a semente de um ser que
vai enviar à terra como seu filho adotivo mas que depois o deixa morrer
crucificado como um ladrão.
Mas quando tudo desaba e o sonho chega ao fim,
José, do alto do outeiro de onde si avista Jerusalém, à sombra da figueira em
que Judas se enforcou, desabafa em palavras o que calou uma vida inteira. Em pouco
tempo, expulsa mágoas, ciúmes, sonhos desfeitos, amores traídos e revolta
contra uma situação de que foi vítima inocente. Naquele momento final, hesita
entre sentimentos degradantes e sentimentos sublimes. Não sabe se há-de
regozijar-se com a educação que deu àquele Menino, com as convicções que
incutiu nele e o viu propalar aos quatro ventos. Não sabe se há-de sentir
admiração por aquele jovem de caráter firme que as multidões seguiram mas
depois traíram, ou se há-de abominar a hora em que poupou a sua Mãe de ser
apedrejada com Ele no ventre, como ditava a Lei de Moisés.
José, nascido na Cidade do Pão,
Belém, é um homem honrado e de bem. Aceitou, em nome do Pai, fazer a figura de
segundo pai do Filho de sua mulher sem questionar O Todo-poderoso e por isso
mesmo é para os cristãos um verdadeiro santo – São José.
São José, uma figura de quase
segundo plano para a Bíblia, é o protagonista nesta narrativa que questiona
situações e ideias, muitas delas retiradas dos evangelhos ortodoxos e também de
textos considerados heréticos pela Igreja e que muitos dos que trabalham e
meditam na figura de Jesus Cristo não têm coragem de as pôr frontalmente sem
paixões, sem facciosismos ou por medo de ofender os poderes instituídos.
Uma narrativa fluente e
apaixonante, compreendida tanto por crentes como por não crentes, faz desta
obra de ficção um bom exercício de reflexão sobre temas tabus através da voz,
finalmente ouvida, de José.
(Exercício para o curso "Escrita Criativa" do Âmbito Cultural - ECI)
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