domingo, 29 de dezembro de 2013

Em Nome do Pai - O Livro de Nuno Lobo Antunes


A história daquela destacada figura do presépio que intriga e confunde quem aprofunda o mistério desse quadro da Natividade pela nobre missão, mas submissa e estranha, que lhe foi atribuída em nome e por vontade do Pai, fazem de José, o artesão carpinteiro, marido de Maria, Mãe de Jesus, um homem à procura da sua identidade e das razões que o levaram a ser o eleito Pai adotivo do filho de Deus.

José, entre remorsos, dúvidas e raiva, não compreende esse Deus, que põe e dispõe dos homens e que tomou como Sua a mulher que lhe estava destinada, plantando-lhe a semente de um ser que vai enviar à terra como seu filho adotivo mas que depois o deixa morrer crucificado como um ladrão.

 Mas quando tudo desaba e o sonho chega ao fim, José, do alto do outeiro de onde si avista Jerusalém, à sombra da figueira em que Judas se enforcou, desabafa em palavras o que calou uma vida inteira. Em pouco tempo, expulsa mágoas, ciúmes, sonhos desfeitos, amores traídos e revolta contra uma situação de que foi vítima inocente. Naquele momento final, hesita entre sentimentos degradantes e sentimentos sublimes. Não sabe se há-de regozijar-se com a educação que deu àquele Menino, com as convicções que incutiu nele e o viu propalar aos quatro ventos. Não sabe se há-de sentir admiração por aquele jovem de caráter firme que as multidões seguiram mas depois traíram, ou se há-de abominar a hora em que poupou a sua Mãe de ser apedrejada com Ele no ventre, como ditava a Lei de Moisés.

José, nascido na Cidade do Pão, Belém, é um homem honrado e de bem. Aceitou, em nome do Pai, fazer a figura de segundo pai do Filho de sua mulher sem questionar O Todo-poderoso e por isso mesmo é para os cristãos um verdadeiro santo – São José.

São José, uma figura de quase segundo plano para a Bíblia, é o protagonista nesta narrativa que questiona situações e ideias, muitas delas retiradas dos evangelhos ortodoxos e também de textos considerados heréticos pela Igreja e que muitos dos que trabalham e meditam na figura de Jesus Cristo não têm coragem de as pôr frontalmente sem paixões, sem facciosismos ou por medo de ofender os poderes instituídos.

Uma narrativa fluente e apaixonante, compreendida tanto por crentes como por não crentes, faz desta obra de ficção um bom exercício de reflexão sobre temas tabus através da voz, finalmente ouvida, de José.

(Exercício para o curso "Escrita Criativa" do Âmbito Cultural - ECI)

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